O “pulmão associativo” feirense contribuiu para uma “resposta notável” à Covid-19

Parceiros sociais e autárquicos feirenses têm sido “colaborantes e flexíveis” com responsáveis da Saúde

Bernardo Gomes, Médico de Saúde Pública no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Feira/Arouca, acredita que Santa Maria da Feira tem “características peculiares” que toldaram a forma como o cenário pandémico provocado pelo novo coronavírus evoluiu.

Em entrevista, e numa reflexão sobre a capacidade de resposta da Saúde à onda de contágios que iniciou há praticamente um ano em território fogaceiro, o responsável aponta o “rico” tecido industrial de Santa Maria da Feira como factor determinante, já que foi pelas relações comerciais existentes com Itália que os primeiros casos se registaram. Bernardo Gomes distingue Novembro de 2020 como o mês em que as equipas médicas estiveram sobre maior pressão e stress, e hoje sente “orgulho” em poder afirmar que os feirenses têm aquela que é “uma das respostas mais rápidas” a nível nacional. Aponta o “fornecimento externo” de vacinas como um “travão”, e acredita que comportamentos como a utilização de máscara ou o respeito pelo distanciamento vieram para ficar, pelo menos até se esgotarem as várias estirpes resultantes do vírus ou se comprovar a eficácia da vacinação contra as mesmas.

Foi praticamente há um ano que se registou o primeiro caso positivo de infecção por Covid-19 em Santa Maria da Feira. No início de todo este processo, era expectável que ainda hoje se estivesse a tentar travar este cenário pandémico?

Muitas das previsões feitas foram erradas. Eu próprio me recordo de que, na primeira semana de Janeiro, ainda estava com dúvidas se estaríamos perante potencial pandémico ou não. A partir do meio de Janeiro já não existia qualquer dúvida ou equívoco: já estávamos perante uma ameaça pandémica clara. Creio que por mais que digamos que não estávamos preparados, porque não estávamos de todo, há muitos países que tiveram tempos de preparação maiores que o nosso e também passaram mal. As grandes vitórias, em termos de resposta, registaram-se em países asiáticos, que já têm “a escola”, por já terem lidado com outro tipo de ameaças no início do século 21. Assistimos ao mesmo em países insolares, como a Nova Zelândia ou a Austrália que, pelas suas características geográficas e culturais, têm respostas muito mais agressivas. São países de absoluto controlo.

Era, então, previsível, que este combate se iria prolongar?

Creio que era algo previsível que esta luta demorasse tanto tempo, sim. Para mim, pessoalmente, foi uma surpresa as vacinas estarem prontas tão cedo. Apesar disso, não será assim tão rápido que iremos conseguir as doses suficientes. Haveria sempre uma tendência para que farmacêuticas e governos estivessem algo optimistas demais relativamente à logística da vacinação, sobretudo na questão do fornecimento. Como estamos hoje a assistir, é o factor número um. O que nos está, neste momento, a prender mais, é mesmo o fornecimento externo. É também um elemento crítico para que consigamos dar o passo em frente e ter outro tipo de posicionamento perante este cenário pandémico.

Que especificidades apresenta Santa Maria da Feira, enquanto território, e em que medida é que as mesmas toldaram a evolução pandémica local?

Santa Maria da Feira tem características peculiares. Uma delas, que nos permitiu de alguma forma apresentar uma resposta integrada notável, é o alinhamento entre todos os parceiros da Comunidade, o tal “pulmão associativo” a que os municípios de Entre Douro e Vouga são constantemente associados. Este espírito contribuiu muito. Existe também uma grande riqueza: o seu tecido industrial. Santa Maria da Feira tem um tecido industrial muito rico. Isto reflecte-se na forma como a Covid-19 evoluiu em Santa Maria da Feira, na medida em que fomos vulneráveis desde o início. Está visto que a entrada do vírus cá esteve relacionada com as relações económicas existentes com Itália. Assim como aconteceu em territórios vizinhos, como São João da Madeira e Ovar. Todo este tecido económico, e a sua ligação ao calçado, acabaram por ditar a migração de uma série de casos da zona de Milão para cá. A zona do Vale do Ave acabou por padecer das mesmas circunstâncias. Toda esta conjuntura, aliada ao fenómeno da dispersão, conhecido em Ovar, fez com que Março fosse um mês muito exigente para Santa Maria da Feira. Foi notório.

Por quanto tempo se prolongou essa mesma “exigência”?

A partir de 1 de Abril, assistimos a um período de maior calma. Em julho, assistimos a um fenómeno associado a alguns surtos ocupacionais, expectáveis, já que temos uma indústria de proximidade, muita massa laboral que não pode fazer teletrabalho, que convive no trabalho. Havia certos cuidados que, na altura, ainda não tinham vingado, sobretudo no momento das pausas, ou da atenção para que as refeições não fossem feitas em grupos, mas sim em pares ou de forma isolada. Até as pausas no trabalho associadas ao consumo tabágico, por exemplo, abriram portas a pequenos surtos que tivemos em Julho.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição online do Jornal N.

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