Na última reunião de Câmara, o vereador Alcides Alves questionou Domingos Silva (à data presidente do PSD Ovar) sobre promessas de um edifício público para uso do cantor Fernando Daniel em troca do cargo de Mandatário da Juventude na campanha eleitoral de Setembro de 2021. “A Câmara Municipal ainda não é a sede do PSD.”, resumiu o professor.
No terceiro episódio do podcast ‘PodCelso’ (que tem como anfitrião o empresário Celso Lascasas), Fernando Daniel revelou contornos da sua participação na corrida eleitoral de 2021, enquanto Mandatário da Juventude pelo PSD. O cantor ovarense refere a existência de “uma espécie de acordo” em que lhe era cedido, em regime de comodato, um edifício público para desenvolver actividades musicais e criar uma comunidade de artistas regionais. Em troca, Fernando Daniel aceitaria entrar na campanha que viria a eleger Salvador Malheiro. “Foi-me dito se iria fazer uma espécie de contrato em comodato, em que te cedem um edifício camarário vazio e só tens de pagar os custos, ou seja, água, luz, arranjos, etc. Não haveria renda porque eu estaria a trabalhar para a comunidade jovem, usando a minha imagem para atrair professores, músicos, e artistas à região. Prometeu-se e por isso eu até aceitei ser o Mandatário da Juventude. Passado algum tempo, deixaram de me atender o telefone, mandava mensagens a dizer ‘Não se esqueçam’. Até ao ponto de me sentir ridículo. Na altura, até fui acompanhado por um indivíduo que trabalha para a Câmara e para o Centro de Artes na visita a alguns espaços.”, contou no referido podcast.
Recorde-se que, à data, em Dezembro de 2021, Salvador Malheiro foi acusado pela Comissão Nacional de Eleições (processo que transitou para o Ministério Público) por “crime de violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade, previsto e punido pelo artigo 172.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locai”.
A lei quanto ao crime de peculato é clara. Este crime inscreve-se no Código Penal português, na rubrica referente a Crimes contra o Estado e cometidos no exercício de funções, artigo 375. De acordo com a legislação portuguesa, é considerado crime de peculato: a) O funcionário público que se apropriar de forma ilegítima, em seu proveito ou de terceiros, de dinheiro ou bem móvel ou imóvel que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível devido às suas funções. A pena de prisão por este crime pode ir de 1 a 8 anos; b) Caso o funcionário público se tenha apropriado ou permitido que se apropriassem de valores ou objetos de valor reduzido, a pena de prisão não ultrapassa os 3 anos. Pode também ter uma pena de multa; c) Já se o funcionário der de empréstimo, empenhar ou onerar valores ou objetos, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. O caso revelado por Fernando Daniel, a ser punível, enquadrar-se-ia na alínea a).
Quem não deixou passar este episódio em claro foi o vereador socialista Alcides Alves que, de resto, enquanto membro do executivo, sentiu-se parte implicada e, nesse sentido, usou da palavra no período antes da ordem do dia da última Reunião de Câmara para pedir esclarecimentos a Domingos Silva – à data, o actual presidente da Câmara Municipal era presidente do PSD Ovar. “São afirmações públicas que, pela gravidade que patenteiam, são dignas de serem esclarecidas por quem, em nome de interesses partidários, usou património público, na linha do que já tinha sido feito, pelo mesmo PSD Ovar (refira-se que a maior parte do executivo PSD tinha e tem responsabilidades partidárias) com os cartazes de propaganda de obra (muito dela virtual) da Câmara Municipal de Ovar, em nome da campanha do PSD, partido a que Vª Exª presidia e pelo qual foi eleito.”, começou por dizer o vereador. “Fernando Daniel refere que só aceitou ser Mandatário da Juventude do PSD Ovar porque o seu candidato lhe prometeu a cedência gratuita de um espaço público. É execrável e indigno, colocando no patamar da suspeição a legitimidade democrática do PSD. (…) O peculato não é objecto de mera retractação pública. É punido com pena de prisão.”, concluiu.
Na reunião de dia 21 de Novembro, Domingos Silva optou por desvalorizar o sucedido e não responder às questões colocadas pelo vereador da oposição. O actual presidente referiu que não tinha conhecimento da situação relatada pelo cantor e contou que esteve com o mesmo apenas por uma ocasião. “Pergunto-me: porquê agora, passados três anos? Sei bem em que consiste o peculato e posso garantir que esta Câmara não tem essas situações.”, foi a resposta sintética e genérica do autarca.
Leia o artigo na íntegra na edição nº397 do nosso jornal.