Assembleia Municipal de Ovar em São Vicente de Pereira marcada por desafios e desagregação de freguesias

A Assembleia Municipal de Ovar reuniu-se em 27 de Junho, num encontro que se revestiu de particular simbolismo ao acontecer fora do habitual salão nobre do município, desta vez na freguesia de São Vicente de Pereira. Este gesto reforça a ambição de coesão territorial, com a meta de levar a assembleia a todas as oito freguesias do concelho. Um dos temas que mais orgulho gerou entre os presentes foi a iminente desagregação de freguesias, que verá oito novas freguesias independentes em Ovar a partir das próximas eleições autárquicas, revertendo uma agregação anterior com a qual a população “nunca se conformou”.

 

Preocupações locais e as respostas do executivo

A sessão foi palco de diversas intervenções do público e dos grupos municipais, abordando um vasto leque de desafios que o concelho enfrenta.

Sónia Reis, cidadã de São Vicente de Pereira e presidente da Associação de Pais da Escola Básica de São Vicente de Pereira, trouxe à discussão preocupações prementes. Destacou a deterioração da limpeza de valetas e da rede viária desde que a competência passou para a Câmara Municipal, resultando em “pasto e silvas que ocupam parte substancial da estrada ou caminho, dificultando a mobilidade e gerando insegurança”. A limpeza das zonas exteriores da Escola Básica de São Vicente de Pereira e os danos causados por raízes de árvores nas infraestruturas da escola foram igualmente sublinhados, exigindo uma “solução técnica urgente”. A cidadã apelou ainda à conclusão das obras de saneamento básico na freguesia e à requalificação da rede viária em troços prioritários. Por fim, elogiou o papel “extraordinário das associações” de São Vicente, incentivando Câmara e Junta a “aproveitarem e potenciarem estas sinergias”.

Em resposta, o presidente da Câmara, Domingos Silva, reconheceu as dificuldades na limpeza “praticamente em todo o município”, atribuindo parte da ineficácia a empresas contratadas que “nem sempre correspondem às expectativas”. Relativamente à Escola de São Vicente, mencionou que a situação está em análise pelos serviços técnicos. No que toca ao saneamento, garantiu uma cobertura significativa, com obras em curso e outras em fase de adjudicação, ressalvando, contudo, as “dificuldades que estamos a ter na contratação de empreiteiros, porque não há empreiteiros para concorrer às obras, os concursos têm ficado desertos”.

 

Habitação, saúde e obras públicas

Hélder Gomes, de um dos grupos municipais, levantou questões sobre a zona industrial em São Vicente de Pereira, criticando a falta de progresso em sete anos, e a situação de um terreno municipal loteado para habitação cujos lotes permanecem por vender. Uma das suas críticas mais veementes foi a deslocalização da única farmácia da freguesia, questionando o parecer favorável da Câmara e as acções para garantir uma nova farmácia.

O presidente Domingos Silva refutou ter “retirado a farmácia”, explicando que a Câmara enviou um requerimento ao INFARMED para abertura de concurso, que foi recusado devido a critérios como horário de funcionamento da unidade de saúde local e distância a outras farmácias. No entanto, o INFARMED prevê lançar um novo concurso para um posto farmacêutico móvel em Setembro de 2025. Quanto às limpezas, o presidente distinguiu “limpeza urbana” de “deservagem” e criticou as juntas lideradas pelo Partido Socialista por não aceitarem esta competência.

Fátima Ramalho, do Grupo Municipal do Partido Socialista, aproveitou a ocasião para uma reflexão sobre o papel do poder local, defendendo que os autarcas devem “servir e não servir-se”, focando-se no “interesse colectivo”. Apelou a uma campanha eleitoral ética, baseada em propostas e ideias, sem “ataques pessoais” ou “maledicência”.

Paulo Pereira, do grupo municipal do PCP, voltou a questionar as justificativas para a falta de empreiteiros para as limpezas, sugerindo que a “desculpa não está petrificada. Está um bocado petrificada. Porquê? Porque nós, eu até diria, não é petrificada, é putrificada”. Reforçou a proposta de transferir as competências de limpeza para as Juntas de Freguesia e questionou o ponto de situação da intervenção na Nacional 109, do Conjunto Habitacional da Ponte Nova, do EsmorizTur e do Cine-Teatro de Ovar.

O presidente da Câmara reiterou as dificuldades de contratação para as limpezas e, sobre a EN109, admitiu que a situação “está na mesma”, tendo solicitado uma reunião com o Ministro das Infraestruturas para discutir a via. A intervenção no Conjunto Habitacional da Ponte Nova, confirmou, “já começou”.

 

Eventos e projectos estruturantes

Felisberto Silva, do PSD, expressou grande entusiasmo com o 16.º World Scout Moot em Cortegaça, que trará 7500 participantes de mais de 100 países, destacando a projecção internacional e o legado estrutural que o evento deixará no Centro Escutista do Buçaquinho. Mencionou ainda o 28.º ACAREG, outro evento escutista de grande dimensão. Domingos Silva confirmou que o World Scout Moot será o “evento mais importante que nós vamos ter no Município de Ovar destes últimos anos, e com maior impacto, impacto mundial”.

Marco Braga, do grupo municipal do Movimento 2030, questionou se as obras no Centro Escutista de Cortegaça estariam prontas a tempo para o evento, e levantou preocupações com os “quase 40 processos contra a Câmara com cerca de 15 milhões [de euros]”. O presidente assegurou que “o que vai ser utilizado no MOOT vai estar pronto” e defendeu que a Câmara “não tem uma orientação de litigância”, afirmando não se recordar de ter perdido um processo significativo nos últimos 12 anos.

 

Desafios sociais e infraestruturais

Mário Manaia, do Bloco de Esquerda, denunciou a falta de equipamentos lúdicos no Parque do Buçaquinho e na Escola Básica da Vinha, criticando a negligência do executivo. Questionou o ponto de situação do Núcleo de Planeamento e Intervenção em Sem-Abrigo (UIPSSA) e as “muitas lacunas e problemas” na rede de transportes rodoviários (CIRA/BUSWAY).

O presidente prometeu que o equipamento infantil do Buçaquinho “a breve prazo estará colocado”, e que um relatório sobre o UIPSSA será apresentado. Reconheceu a complexidade dos transportes, dependente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro.

João Luís Ferreira saudou a Câmara pela transferência de “mais de 1 milhão de euros para cerca de 115 colectividades”, um investimento “sem precedentes” no associativismo, e elogiou a empreitada da APA de “reposição e reforço da nossa defesa da praia do Furadouro”, atribuindo o feito a um “governo PSD”.

Soraia Ferreira, do Movimento 2030, expressou preocupação com o fecho das urgências do Hospital de Ovar e a baixa taxa de execução de projetos municipais (6,4 milhões em 2024, 23%), contrastando com o “pipeline” de 57 milhões de euros em projectos. Domingos Silva afirmou que não tem “o espírito de Dom Quixote” em relação às urgências, mas que a Câmara vai cumprir os prazos do programa Primeiro Direito.

Nuno Bigotte, do PS, questionou a falta de rumo e planeamento a longo prazo do executivo, apontando para obras adiadas e denunciando “casos escusados” de limpeza de zonas específicas por trabalhadores da Câmara.

 

Deliberações e outras considerações

A sessão culminou com a discussão de propostas e deliberações. A Terceira Alteração Orçamental Modificativa foi aprovada com 29 votos a favor (PSD, PS, Movimento 2030), 1 contra (Bloco de Esquerda) e 1 abstenção (PCP), apesar da preocupação do Bloco de Esquerda com a baixa taxa de execução de fundos comunitários. A construção da nova esquadra da PSP de Ovar, a aquisição de serviços de Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) e de Transporte Escolar 2025/2026 foram aprovadas por unanimidade.

A proposta para a Emissão de Autorização da Repartição Plurianual da Despesa e do Compromisso Plurianual para a limpeza de bermas no concelho, no valor de 224.000€, foi aprovada com 30 votos a favor e 1 voto contra, do Bloco de Esquerda, que questionou o valor e a qualidade do serviço em comparação com o trabalho das juntas. A aprovação do júri do Concurso para Provimento de Cargo de Direcção Intermédia de Terceiro Grau foi aprovada com 30 votos a favor e 1 voto contra do Bloco de Esquerda, por “motivos ideológicos”.

Uma Moção pela Rejeição do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar 2020-2038, apresentada pelo Bloco de Esquerda, foi rejeitada com 18 votos contra (PSD), 12 votos a favor (PS, Movimento 2030, Bloco de Esquerda) e 1 abstenção (PCP). A moção criticava a falta de transparência, a consulta pública limitada e o aumento do volume dos cortes arbóreos.

A sessão revelou uma Câmara consciente das dificuldades de contratação, um problema nacional, e proactiva na atracção de eventos. Houve apelos a um debate político mais digno, focado em propostas, em contraste com algumas trocas de acusações. A questão do acesso a documentos foi um ponto levantado pela oposição, que defendeu maior transparência.

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