Constatei com algum interesse nas duas últimas entrevistas do Jornal N (ao qual elogio a qualidade das mesmas) que, aparentemente, para a dança do tango, são necessárias duas pessoas. É engraçado, porque, afinal, eu conheço muito bem um desses dançarinos e só confiaria o meu voto nele após um apelo ao estilo de Cunhal, onde me convencessem a tapar o olho esquerdo na hora de colocar o boletim na urna.
Quanto ao segundo dançarino, ele faz parte de um mistério tão profundo que, sinceramente, acho que é mais seguro não me envolver de forma alguma. Não quero desvendar esse grandioso enigma tanguístico. Longe de mim querer contribuir para uma novela argentina, onde as coisas parecem estar mais enroladas do que um passo de tango mal ensaiado!
Mesmo fora do “ativo”, este bailarino é exemplo mais característico do “andar por aí”. Aquando da publicação destes dois artigos, deixou uns tantos perplexos e outros a pensar onde andou o maior partido da oposição desde que Malheiro se tornou a vedeta vareira. Muitos dirão que este modo de estar civicamente é atípico, acham estranho a emissão de opinião sem tabus e a autonomia de pensamento. Acharem incomum este modo de estar são sinais dos tempos apáticos de participação democrática, onde o exercício da liberdade de opinião anda pelas ruas da amargura.
Conheci o Manuel Oliveira, vulgo Malícia, numa sala no rés do chão algures pelo Agrupamento de Escolas Coelho e Castro, em Fiães. Lembro-me como se de ontem se tratasse, meio envergonhado, fui pedir ajuda para uns projetos. Tinha eu catorze anos e mal sabia o indivíduo perspicaz que estava a conhecer, este foi um dos adultos que ao longo da minha adolescência me motivou ao cultivo do conhecimento e da busca inabalável por fundamentos racionais que o sustentem. Desde então, fui eleito 1º vereador jovem autarca, 4 vezes para o Parlamento de Jovens na AR, travei e venci três campanhas para a Associação de Estudantes da minha faculdade, tornei-me no mais jovem eleito numa Assembleia de Freguesia e tantas outras lutas.
Muitos conselhos, vários desabafos, meia dúzia de argumentos acessos e uma amizade que dura para a vida. É este o legado dos professores da Escola Pública, que fazem muito mais do que as funções paliativas que o Ministério lhes tenta impingir sucessivamente. São estas as almas que ainda estimulam o sentido crítico das novas gerações e, no meio disso, ainda sabem dançar o tango.
Além disso, a questão política, de indubitável relevância, é importante ser realçada. Não obstante as divergências ideológicas e da praxis de atuação, há dois princípios que se mantêm como faróis de civilidade no meio do caos e da gritaria dos dias que correm: a fraternidade e a democracia. São valores que tenho a honra de abraçar, aprimorados ao longo do estreitamento de laços aparentemente improváveis entre um jovem marxista (ou, como o Malícia gosta de me chamar, ‘Jovem Marx’) e um ex-dirigente do PS.
Não deixo de realçar que os problemas estruturais levantados nas duas entrevistas são deveras importantes para o povo de Ovar, e que de fato o concelho lida com a pior geração de autarcas de sempre. As alternativas democráticas devem pensar seriamente numa rutura com o modelo permissivo de inação da gestão camararia laranja e serem a dianteira de um concelho diferente: progressista, ambientalista, sustentável, com serviços públicos dignos e onde todos possam ter um teto digno para viver.
Concluindo e por saber que a vida é efêmera e que as devidas homenagens dignas da honra que nelas queremos depositar se fazem em vida: um Viva ao Malícia! Que hajam muitas aventuras pela frente, muitas corridas pelo meio da noite algures perdidos, mas certos de que o destino está perto de uma provável revolução. E que hajam mais bons professores e melhores bailarinos na Escola Pública.
Na imagem: Eduardo Couto e Manuel Malícia
Artigo de Opinião de Eduardo Couto