Por Manuel Malícia
O que li é, de facto, inédito: “a Câmara Municipal de Ovar anunciou que vai adquirir uma parcela de terreno na Serra da Malcata, no valor de 200 mil Euros, no sentido de compensar o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza da desafetação de terrenos do Regime Florestal ao longo do tempo.
Nomeadamente, 24 hectares (ha) do Plano de Pormenor do Núcleo Desportivo Norte de Ovar com a construção do Dolce Vita, 15.22 ha, em Esmoriz e Cortegaça, para alargamento do campismo de Esmoriz, 7.64 ha para a ampliação do campo de futebol do Buçaquinho e 6.48 ha para a rua do Monte Branco 0.55 ha para a rua do Monte Negro.
No lote de desafetações a compensar está a venda de um terreno à empresa Flex 2000, no perímetro Florestal das Dunas de Ovar, obrigando-se o Município, por força do Regime Florestal, a efetuar compensação ao ICNF. “(OvarNews, 14 de outubro de 2024)
Primeiro, hesitei se isto seria verdade. Pelo espanto do nosso município passar a ser proprietário de terrenos maninhos encostados à fronteira com Espanha. Depois, como li e reli, a dúvida dissipou-se. Não há dúvida de que estamos perante um furor “ecologista”. Pela exigência compensatória da mesma instituição que deixa muito a desejar na preservação ambiental do território que “tutela” no concelho de Ovar. E sobretudo pelas contradições na sua ação. Ou não-ação.
Sem saber muito bem como entender tal exigência compensatória que custa dinheiro aos nossos cofres e até como aparece esta listagem de infraestruturas com presenças obtusas e rejeições clamorosas (v.g. Clube de Caça e Pesca de Ovar), espero que os passos seguintes e os próximos tempos nos ajudem a clarificar, entre outras, algumas dúvidas:
- Se há necessidade-obrigação do município de Ovar compensar as parcelas da floresta que utilizou para a construção de infraestruturas consideradas, à época, necessárias ao nosso desenvolvimento socioeconómico, por que razão o ICNF não nos compensa por não ter defendido e continuar a não defender o avanço do mar na nossa costa e que vai galgando e comendo metros atrás de metros dessa mesma floresta que o ICNF diz querer proteger? Não terá o ICNF o dever de contribuir, também, para evitar um futuro e anunciado desastre ecológico que a invasão do mar provocará, em breve, no espaço da antiga lixeira, situada precisamente na “sua-dita-protegida” floresta?
- Se há necessidade-obrigação do município de Ovar pagar 200 mil euros para compra de floresta lá na Serra da Malcata, por que razão autorizou o ICNF o abate de milhares de árvores na Nossa Floresta, entre Cortegaça e o Furadouro, sem qualquer replantação à vista e com a criação de imensas crateras de desflorestação no território que dizem preservar?
- Se há necessidade-obrigação de agora comprarmos uma “coutada” nos montes ermos transfronteiriços, por que razão a autarquia e as entidades do Ministério do Ambiente negociaram e acordaram uma alteração apressada do PDM na Praia de Cortegaça, que permitirá dar cobertura legal e viabilizar um famigerado loteamento à custa da destruição florestal?
- Se há necessidade-obrigação do município criar um enclave florestal na Serra da Malcata, é preciso saber se este será um episódio circunstancial ou legitima todos os procedimentos futuros, como garantia de viabilização para eventuais pedidos de desafetação ao sabor das vontades políticas do momento.
- Se há necessidade-obrigação de passarmos a ser proprietários e cidadãos “malcateiros” (inaceitável e patético) os “furiosos ambientais” do ICNF também irão ter em conta nessa exigência compensatória o facto do nosso território concelhio se encontrar diminuído no “regime florestal” quando, por cá, passam infraestruturas essenciais ao todo nacional (A29, ferrovia – linha do norte e TGV, por exemplo, incluindo as respetivas áreas de limitação e proteção) e onde também está implantada a Base Aérea de Maceda?
- Se somos obrigados a compensar, sob ameaça de penalizações e consequentes prejuízos futuros, quem viabilizou sucessivas desafetações ou Planos ditos de Gestão (não se esqueça nunca a absurda destruição da Floresta de Cortegaça) sem acautelar os compromissos iniciais do tempo de Armando França, a Câmara Municipal e o ICNF devem tornar públicos os nomes dos municípios onde também se aplicará tal “sanção”? Ou seremos os únicos? Se sim, Ovar é mesmo um “fenómeno português” que merece análise nos melhores departamentos científicos. Se há outros concelhos a quem está a ser aplicada a mesma medida, devemos conhecer os contornos da sua negociação e das medidas aplicáveis. É que um destes dias, e com tanta floresta ardida, serão precisas muitas “Malcatas”!
- E, já agora, a tal parcela de terreno da Serra da Malcata que a Câmara Municipal se disponibilizou a comprar é mesmo Floresta? Qual é a sua morfologia, composição ecossistémica e arbórea? Como será feita a sua gestão? E a sua limpeza? Quais os proveitos e encargos?