Santa Maria da Feira: Ativista dedica vida a apoiar trabalhadores sinistrados

António Silva, vítima de um acidente de trabalho há 34 anos, transformou a sua luta pessoal numa missão gratuita de apoio a trabalhadores sinistrados e portadores de doenças profissionais, atendendo cerca de 150 pessoas por ano em Santa Maria da Feira.

 António Silva, natural de Santa Maria da Feira, é uma figura central no apoio a trabalhadores sinistrados e portadores de doenças profissionais. Vítima de um acidente de trabalho há 34 anos, enquanto trabalhava para a Câmara Municipal, ficou com uma incapacidade de 83%, sendo 63% ao nível motor.

A experiência pessoal, marcada por dificuldades em aceder aos seus direitos, levou-o a criar o Gabinete de Estudo e Apoio aos Sinistrados do Trabalho, oficialmente reconhecido em 30 de Janeiro de 2019. Este projeto, único na região, presta apoio gratuito a trabalhadores do setor público e privado.

O gabinete, instalado na casa de António Silva, foi adaptado com a ajuda de familiares e donativos, como uma impressora da Central Lobão, um computador do Centro Médico da Praça e mesas oferecidas pelo patrão da sua filha, Rui Pedrosa. Há sete anos, que o ativista atende por marcação no seu espaço e na Junta de Freguesia de Sanguedo, orientando cerca de 150 pessoas anualmente, numa média de quatro por semana.

Todo o trabalho é financiado por si, incluindo custos com cópias para trabalhadores com dificuldades financeiras. “Faço por gosto à causa, porque tenho prazer em ajudar as pessoas que passam pela situação que passei e não têm qualquer auxílio”, afirmou.

António Silva dedica-se à investigação de direitos laborais, acompanhando os casos até à resolução, com uma taxa de sucesso de 100%. “Não dou informações por palpite, nem falsas expectativas. Ou tenho 99,9% de certeza do que estou a dizer, ou não digo”, explicou. A sua atuação vai além do gabinete: como ativista pela mobilidade condicionada, já interveio em locais como São João da Madeira, onde conseguiu a instalação de uma rampa numa instituição bancária, e em cidades como Ovar, Coimbra e Gaia, para corrigir sinalizações inadequadas para pessoas com deficiência.

Quanto aos acidentes de trabalho, o ativista destacou como principal causa: a falta de prevenção. “Quando há um acidente de trabalho, há uma falha de segurança”, disse, citando a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que aponta negligência e violação de normas como fatores determinantes.

António Silva partilhou o exemplo de um trabalhador que morreu após cair de uma plataforma, com 4,44% de álcool no sangue. Apesar disso, o caso foi reconhecido como acidente de trabalho, com a viúva a vencer em tribunal devido à ausência de medidas de segurança, como guarda-corpos e circuitos indicadores.

Em Portugal, as doenças profissionais causam sete vezes mais mortes do que os acidentes de trabalho, segundo António Silva, que aponta ainda que estes problemas consomem 3% do PIB, equivalente a 6 mil milhões de euros. A desinformação é outro obstáculo: muitos trabalhadores chegam ao gabinete em situações limite, com prazos legais quase esgotados. “Tenho que os ‘espicaçar’ porque têm direito de fazer a participação no tribunal num prazo de um ano”, explicou.

Sem apoio público, o projeto sobrevive com patrocínios pontuais. O ativista atende pessoas de várias idades e setores, como construção civil, cortiça, metalomecânica e moldes, incluindo trabalhadores de concelhos vizinhos e até estrangeiros. Recusa qualquer oferta monetária pelo seu trabalho, como no caso marcante de um trabalhador que tentou oferecer-lhe dinheiro. “Disse que era gratuito e é mesmo. Acabámos a sair abraçados, a chorar”, recordou.

António Silva, que já representou a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho, continua movido pela paixão e pelo compromisso cívico. “Não conheço ninguém que desenvolva trabalho com tanta paixão e nas condições que eu desenvolvo aqui em Santa Maria da Feira e arredores”, afirmou.

Apesar das recentes cirurgias devido ao seu acidente, mantém o compromisso de orientar e apoiar os sinistrados, interpretando a lei com rigor e dedicação. “Não é só olhar para a lei, mas sim interpretá-la”, concluiu.

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