A mais recente sessão da Assembleia Municipal de Ovar ficou marcada por um debate intenso sobre temas que afectam directamente a vida dos munícipes: ruído industrial, degradação das vias, limpeza urbana, obras públicas, defesa costeira e preocupações sociais, como o impacto dos despedimentos na Yazaki Saltano. O presidente da Câmara, Domingos Silva, e os vários vereadores e deputados municipais responderam a interpelações de cidadãos e da oposição, num ambiente de exigência e escrutínio.
Ruído Industrial: 14 Anos de queixas e um processo encerrado
O ruído excessivo proveniente da Lavandaria Pereira Fernandes Lda. foi um dos temas mais sensíveis. Joaquim Silva, residente nas imediações, denunciou um “ruído contínuo e excessivo”, especialmente durante o Verão, que afecta o sossego e a qualidade de vida em casa e no jardim. “Há 14 anos que faço queixas. Foram feitos quatro ensaios acústicos, três deles apontaram incumprimento dos limites legais. O último, já após obras na lavandaria, deu valores normais, mas não reflectiu a intensidade habitual do funcionamento”, explicou.
O munícipe pediu um novo ensaio acústico, realizado em sigilo e em horários de maior laboração, para garantir fiabilidade. O presidente da Câmara, Domingos Silva, respondeu que o processo administrativo está encerrado, sustentando-se no último estudo, que indicou conformidade. “Não podemos andar constantemente a gastar recursos da Câmara a fazer estudos acústicos”, afirmou, mas garantiu abertura para reabrir o processo caso surjam “factos novos”.
A oposição, pela voz de Fernanda Almeida, contestou: “Como pode estar encerrado se três dos quatro ensaios deram incumprimento? Está tudo menos resolvido. Falta sensibilidade à Câmara para com o problema do munícipe”.
Rede viária: ruas degradadas e promessas de requalificação
Tiago Santos, morador na Rua Antero de Quental, trouxe à Assembleia a questão do mau estado das principais ruas de acesso e saída da cidade: “Irregularidades, desníveis e depressões são o dia-a-dia de quem aqui vive e circula. Troco amortecedores do carro como quem troca de camisa. Não há saneamento de águas pluviais, as valetas estão por limpar. Há moradores que esperam há 30 ou 40 anos por melhorias”.
O morador ovarense recordou que desde 2018 tem vindo a pedir respostas, sempre adiadas. O presidente da Câmara reconheceu o problema e admitiu: “Não temos conseguido responder como o Tiago queria, que era ver as obras feitas. O grande inimigo tem sido o tempo cronológico, dada a dimensão da rede viária municipal: 1700 arruamentos, 725 km sob responsabilidade da Câmara”. Informou que os levantamentos topográficos já começaram e que os projetos das ruas referidas deverão estar prontos “no início do segundo semestre deste ano”, seguindo-se o lançamento do concurso para as obras.
A oposição ironizou sobre a “desculpa do tempo”, com Fernando Almeida a questionar: “Se 12 anos não chegam, serão precisos 24 ou 36 para requalificar as ruas?”. Outros deputados, como Paulo Pereira e Manuel Reis, reforçaram as críticas ao “caos” da rede viária e à ausência de um piquete de intervenção rápida para tapar buracos.
Válega: obras atrasadas e promessas de inclusão dos moradores
A requalificação da Rua Sebastião Morais Ferreira, em Válega, foi outro ponto quente. Com 500 assinaturas recolhidas a exigir intervenção, a rua apresenta problemas de saneamento e degradação. O presidente da Câmara revelou que o levantamento topográfico está feito e o projecto em elaboração. “Esta rua tem cerca de 1,5 km e a obra poderá custar quase 1 milhão de euros. Admito que já devia ter sido feita”, reconheceu, prometendo chamar os moradores para opinar sobre o projecto antes da aprovação.
Fernando Almeida criticou a incapacidade da Câmara em desenvolver Válega, comparando com freguesias vizinhas: “Não se entende como Válega continua assim, enquanto outros concelhos avançam”.
Limpeza urbana e gestão de resíduos: Ovar “sujo e desleixado”?
Luís Vieira Pinto denunciou o que considera ser uma cidade “suja e desleixada”, com vegetação a crescer nos passeios, cortes de limpeza não recolhidos e contentores de biorresíduos frequentemente avariados. “O projecto de recolha de biorresíduos foi pioneiro, mas parece abandonado”, lamentou.
O presidente da Câmara discordou: “Ovar não está suja nem desleixada. A limpeza é feita com a periodicidade definida. O povo de Ovar não é sujo”. Admitiu, porém, dificuldades operacionais devido à lotação das células de resíduos em Estarreja e Aveiro, o que provoca atrasos. “Pedimos às pessoas para só colocarem lixo quando houver capacidade. Estamos a reavaliar o sistema de contentores de biorresíduos e a substituir os defeituosos”, explicou.
Sobre a limpeza de terrenos rústicos, o autarca apontou a dificuldade em identificar proprietários, um processo moroso e caro: “A intervenção directa da Câmara em todos os terrenos privados custaria 25 milhões de euros”. As faixas de gestão contratadas arrancam a 15 de Maio.
A oposição, por Mário Manaia e Paulo Pereira, questionou a falta de campanhas de sensibilização e o reforço da fiscalização, enquanto Fernando Almeida associou ironicamente a falta de limpeza à imagem de Ovar como “território amigo do ambiente”.
Obras no cemitério: projecto suspenso por falha de comunicação
Luís Vieira Pinto questionou o ponto de situação das obras no cemitério de Ovar, após a CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional) ter identificado irregularidades no processo. O presidente da Câmara reconheceu o erro: “O projecto inicial foi submetido à CCDR, mas quando adquirimos o terreno do parque de estacionamento e o incluímos na requalificação, não actualizámos o processo junto da CCDR. Foi um lapso, pelo qual mandei abrir inquérito”.
Domingos Silva garante que “a obra foi suspensa, mas não embargada”, e estão a decorrer sondagens arqueológicas. Acredita que a situação será regularizada “dentro do mês”, permitindo retomar os trabalhos.
Defesa da orla costeira: obras e preocupações ambientais
A subida do nível das águas na Tijosa e Marinha, que afecta o acesso rodoviário, e a recuperação da defesa aderente no Furadouro foram temas debatidos por Nuno Bigote e Manuel Reis. Bigote questionou o envio de pedidos de parecer à APA e CCDR para elevar a cota da estrada, enquanto Reis pediu esclarecimentos sobre prazos e reforço da defesa costeira.
O presidente da Câmara associou a questão da Tijosa ao projecto de transposição de sedimentos, admitindo que o problema persiste. “Substituímos válvulas de retenção e continuamos o diálogo com a APA. O desassoreamento dos cais está em curso”, disse. Sobre o Furadouro, referiu que a obra, orçada em 2,4 milhões de euros, é da responsabilidade da APA, com concurso previsto para o final de 2024 e início dos trabalhos em 2025.
Fernando Almeida criticou a obra, temendo que a colocação de pedra na zona sul e o alagamento do estacionamento prejudiquem o local. O presidente contrapôs: “Os galgamentos ocorrem em várias zonas do Furadouro, não apenas na zona sul”.
Impacto social: despedimentos na Yazaki Saltano
O despedimento colectivo de 364 trabalhadores na Yazaki Saltano gerou preocupação, com Mário Manaia a exigir saber que recursos foram mobilizados para apoiar os afectados. O presidente da Câmara informou que, dos 364 despedidos, cerca de 180 são do município de Ovar. “Temos 14 técnicos sociais e 4 assistentes sociais disponíveis. Acompanhamos a situação, que é complicada devido à conjuntura internacional do sector automóvel”, explicou.
Equipamentos lúdicos: Parque do Buçaquinho sem resposta há quatro anos
Nuno Bigote lamentou a falta de equipamentos lúdicos no Parque do Buçaquinho, em Esmoriz/Cortegaça, desde a pandemia de COVID-19. “As crianças e jovens esperam há quatro anos. Quando haverá investimento?”, questionou.
O presidente da Câmara respondeu que foi feito um programa de vistorias a todos os parques infantis municipais e que está em curso um procedimento para aquisição e reposição de equipamentos.
Mobilidade e transportes: “um caos” e espera pelo novo Governo
Paulo Pereira descreveu a situação das vias (EN109, A29, A25, 327 e estradas municipais) como “um caos”, criticando a ausência de um piquete de intervenção rápida e a falta de avanços na requalificação da linha do norte (troço Ovar-Gaia). Questionou ainda as medidas da Câmara sobre as portagens e o acompanhamento do TGV.
O presidente da Câmara explicou que a EN109 está “em suspenso à espera do novo governo”. Sobre a desnivelada da Ponte Nova, revelou que a proposta da Câmara foi recusada pela Infraestruturas de Portugal por razões técnicas, estando este a estudar alternativas. Quanto às portagens, manifestou esperança de que o próximo Primeiro-Ministro, presumivelmente oriundo do distrito de Aveiro, reverta a situação.
A sessão da Assembleia Municipal de Ovar evidenciou as preocupações dos cidadãos e a pressão sobre o executivo municipal para dar respostas concretas a problemas antigos e persistentes. O presidente da Câmara mostrou abertura ao diálogo, mas também reconheceu limitações orçamentais, operacionais e burocráticas. A oposição manteve-se crítica, exigindo mais acção, transparência e eficácia.
A vida quotidiana dos ovarenses, da limpeza das ruas às grandes obras de defesa costeira, passando pelo impacto social dos despedimentos em massa, esteve no centro do debate.
Fernando Camelo de Almeida novamente impedido de usar da palavra
A primeira sessão da Assembleia, a 30 de Abril, ficou também marcada por um momento que Fernando Camelo de Almeida caracterizou como “insólito”. Num momento em que fez um pedido de defesa da honra, algo perfeitamente vulgar em assembleias, o mesmo pedido foi negado de forma sarcástica pelo presidente da Assembleia Municipal, Pedro Braga da Cruz: “Vai fazer a defesa da honra onde?”, questionou, interrompendo imediatamente a seguir a sessão. Já com a sessão interrompida, mas com os microfones ainda ligados, foi possível ouvir Domingos Silva a proferir as seguintes palavras: “Epá, esse gajo tem de ser posto na linha, meu.”
Previamente, o deputado independente pretendeu recorrer à defesa de honra por, na intervenção anterior, Domingos Silva ter sugerido que o facto de Fernando Almeida se ter juntado ao Partido Socialista contribuiria para maior equilíbrio e moderação no seu discurso: “Independentemente de nem sempre estarmos de acordo, [os deputados do PS] são pessoas equilibradas. Penso que o Fernando vai ganhar algum equilíbrio com essa situação.”, disse.
Na segunda sessão de 2 de Maio, o deputado eleito pelo CDS-PP trouxe de novo o assunto, disparando em direcção aos presidentes da Câmara e da Assembleia Municipal: “O episódio da última sessão revela bem a falta de cultura democrática, a falta de respeito e a boçalidade, desprestigiando as instituições.” Relembrou depois que já na sessão solene do 25 de Abril foi impedido de discursar, contrariamente a sessões de anos anteriores (justificado por ser actualmente deputado independente); recordou também uma Assembleia Municipal realizada em Válega, no mandato anterior, em que foi insultado por Domingos Silva (à data vice-presidente da Câmara Muncipal) em plena sessão aberta. E prosseguiu: “Tratar assim um deputado não é mau: é vergonhoso, escandaloso e deplorável. Ainda tive uma leve esperança de receber um pedido de desculpa por parte de algum elemento do PSD. (…) Uma coisa é combate político: não me importo de levar pancada política. Outra é falta de respeito: isso não posso admitir. O sr. presidente da Assembleia não me faltou ao respeito a mim, Fernando Almeida: faltou ao respeito a todos os eleitos locais deste município. Se não consegue ter isenção, apesar de tal lhe ser exigido, deve pelo menos respeitar os eleitos.”
Contactado pelo N, Fernando Camelo de Almeida continua convencido de que “a honra não se pode reger pelo conceito do presidente da Assembleia Municipal”, pelo que entende que o seu direito de defesa foi negado ao arrepio das normas. Acrescentou que “o presidente Domingos Silva, além do modo com se me dirigiu, não foi capaz de dar nenhum exemplo da ‘falta de rigor’ que diz que tenho”.
Aproveitou depois para fazer um enquadramento do sucedido: “Este episódio mostra que a democracia está ferida em Ovar e que, quanto a quem faz oposição, impera a lógica do ‘ou estás connosco ou contra nós’. Apesar da sessão já estar suspensa, é preciso não esquecer que as declarações do presidente da Câmara ocorreram no Salão Nobre da Câmara Municipal, e não numa conversa privada num café ou em casa. Este à-vontade que demonstra a pedir ao presidente da Assembleia para ‘colocar deputados na linha’ denota a dificuldade crescente em lidar com a oposição.”
Já avistando ao longe as eleições autárquicas, Fernando Almeida lê estes episódios de hostilidade como uma “demonstração de nervosismo e perturbação” do Partido Social-Democrata: “O nervosismo justifica-se porque podem perder os seus postos de trabalho. Estou convencido de que o PSD sente que vai perder estas eleições: e não devido à oposição, mas por não ter tido a capacidade de gerir os destinos do município de outra forma. Daí esta atitude de ‘fuga para a frente’. Mas acredito que levarão um cartão vermelho directo do povo de Ovar.”, rematou.