Na semana passada nas sessões do julgamento da Operação Vórtex foram ouvidos os depoimentos das testemunhas de acusação, três inspectores da Polícia Judiciária da Directoria do Norte. Em destaque estiveram os dois encontros entre Francisco Pessegueiro e o ex-autarca Miguel Reis num café nas imediações da Câmara Municipal de Espinho, onde o último terá alegadamente, recebido quantias em dinheiro. Do segundo encontro não existe registo de imagens e a razão apontada pelos inspectores é uma falha no sistema de videovigilância que não cumpria os 30 dias de gravação de imagens, como manda a lei. Mas, numa visita ao café durante a hora de almoço o advogado de Miguel Reis apurou outra versão dos factos.
Na sessão da passada quinta-feira, 27 de Março esteve em destaque no julgamento da Operação Vórtex os encontros entre o empresário Francisco Pessegueiro e o ex-autarca Miguel Reis. O primeiro inspector da Polícia Judiciária a ser ouvido em tribunal explicou que após o encontro de 25 de Maio de 2022 entre os arguidos, deixaram passar cerca de duas semanas e foram ao café pedir o período abrangente de imagens daquele dia para evitar suspeitas que colocassem em risco a investigação, dado que à data os suspeitos eram “pessoas conhecidas na cidade”. Relativamente, ao segundo encontro a 20 de Setembro de 2022 o inspector disse que prosseguiram com a mesma estratégia. “Quando fomos ao café foi perceptível que o sistema de vigilância à data não armazenava as imagens durante 30 dias. Como o disco não tinha espaço, já tinha gravado por cima desses dias.”, explicou. Sobre o não registo da diligência considerou ter sido “um lapso”. “Se fosse hoje teria feito.”, disse.
Durante o interrogatório ao inspector o advogado de Miguel Reis disse ao juiz Carlos Casas Azevedo que na hora de almoço se deslocou ao referido café e que falou com os proprietários que lhe informaram que o sistema de videovigilância grava os 30 dias de imagens, cumprindo a lei, e que a Polícia Judiciária não fez o pedido de extracção das imagens. Na sequência de contradição de informações pediu a inquirição das pessoas para clarificar a situação.
O mesmo inspector caracterizou a vida profissional de Francisco Pessegueiro em dois sectores, na gestão de estabelecimentos alimentares e na construtora como o gestor e promotor imobiliário “com actividade intensa”. “Era a pessoa que movia a máquina dos empreendimentos, quer no gabinete de arquitectura, quer nos projectos e licenciamentos”. Segundo o inspector o conteúdo das intercepções telefónicas que eram “o farol que os guiava na intercepção junto dos suspeitos” demonstrava que após as eleições em que Miguel Reis assumiu a Câmara Municipal de Espinho se começou a desenvolver uma estratégia de aproximação ao autarca à data, por parte de Francisco Pessegueiro e João Rodrigues, e que também era do conhecimento de Paulo Malafaia. “Inicia-se num contexto institucional e até 9 de Janeiro de 2023 funcionava em modo ‘pedido versus contrapartida’”., explicou.
Confrontado com imagens das buscas a casa de Miguel Reis, em que foi encontrado um envelope com uma quantia em dinheiro junto a uma cinta de papel mencionou que “o colega que localizou o envelope no meio da roupa o chamou”. Para o inspector esta era uma descoberta relevante pois havia “a probabilidade deste elemento estar relacionado com os factos como contrapartida paga”, explicou. No entanto, ao ver a cinta a sua experiência “induziu que podia estar relacionado com transporte de valores ou actividades bancárias”, o que se viria a confirmar segundo o inspector da Polícia Judiciária depois de várias diligências para apurar a origem do mesmo.
Com base na “correlação entre elementos de comunicação e diálogos mantidos e conexão com projectos imobiliários” o inspector da Polícia Judiciária classificou ainda a relação entre o arquitecto João Rodrigues e o ex-autarca Pinto Moreira de “promiscua”. No seu entendimento do inspector o cargo público e os interesses privados não eram compatíveis.
Num certo momento do depoimento o inspector da Polícia Judiciaria chegou a admitir que contactou com Francisco Pessegueiro no âmbito de uma operação processual, mas assegurou que nunca contactou com arguidos “sem o advogado de defesa presente”. “Não houve qualquer contacto à socapa.” Noutro momento quando questionado pela defesa de Miguel Reis, e no mesmo âmbito disse que o contacto com Francisco Pessegueiro resultou de dinâmicas naturais e que, por vezes, dadas as circunstâncias “facilita documentos à defesa sempre que solicitado”. No entanto, quando questionado pelo juiz se ia ao Estabelecimento Prisional falar com algum arguido disse “não ter memória”. Questionado sobre alguma promessa de acordo de redução de pena com o empresário Francisco Pessegueiro o inspector da Polícia Judiciária negou. “Não fiz promessa nenhuma.”, afirmou.
Na sexta-feira de manhã foram ainda ouvidos mais dois inspectores que participaram em vigilâncias de prova que constam na acusação. Um deles participou na recolha de imagens do segundo encontro entre Francisco Pessegueiro e Miguel Reis, acrescentando que não foi utilizada história de cobertura e que a pessoa do café a quem pediram as imagens foi sempre a mesma. Referiu ainda que houve um técnico da polícia que esteve presente nos dois momentos, garantindo que nunca foram visualizadas imagens no local. Na tentativa de recuperar as imagens foram visualizadas outras câmaras do local, mas sem sucesso. A justificação apontada pelo inspector para a falta das imagens daquele dia foi “o sistema ter gravado por cima”.
Quanto ao dispositivo de vigilância montado junto à casa de Francisco Pessegueiro e da irmã, no dia 21 de Dezembro de 2022, e o posterior abandono do encalço da viatura em que seguiam os irmãos, a decisão de abandono da mesma foi justificada pelos escassos meios e “para não colocar em causa a investigação e recolha de elementos de prova”. “Queria preservar ao máximo caso houvesse uma nova oportunidade de intervir sem alertar”., explicou o inspector. O pouco tempo para a preparação da diligência e a falta da referência do local do encontro foram outros factores que disse, pesaram na sua decisão. “Não havia referência ao local do encontro para entrega do dinheiro.”, afirmou.
O perito em arquitectura já começou o seu depoimento com a abordagem ao Lar Hércules, que iria nascer na Rua 14, em Espinho. A próxima sessão está marcada para a próxima quinta-feira 3 de Abril de 2025, no Tribunal de Espinho.